quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O falar cotidiano

Da varanda de casa vejo uma policial dizendo que a ordem será mantida nem que seja à bala. Que irá proteger os “homens de bem” contra os estúpidos “marginais”, perigo para a sociedade.
Da varanda de casa vejo funcionários dizendo que o governo está trabalhando, que o Estado está cuidando do povo.

Da varanda de casa vejo carrões com pessoas da alta sociedade. Elas dizem que são um exemplo de pessoas que venceram na vida, que vencer na vida é ter um carrão e quem trabalhar também vencerá. Vejo pessoas simples, pobres no afã do vai e vem do dia a dia. Elas dizem que querem vencer na vida e para isso precisam batalhar, falam que em nossa sociedade enquanto uns têm carrões outros andam a pé e isso é legítimo.

Da varanda de casa vejo homens e mulheres dia e noite nos botecos, bêbados, caídos pelos cantos. Vejo uma senhora dormindo na calçada em noites quentes ou geladas, com neblina ou com chuva. Eles dizem que são produto da exclusão, base de sustentação de um modelo econômico que privilegia poucos e faz o que era pra todos ser controlado por estes poucos. Falam que são a escória da sociedade, resultado da crueldade sutil do homem civilizado, que torna invisível aquilo que salta aos olhos até do mais cego dos homens.

Da varanda de casa vejo a feira, me acordando com um zumbido alto e indecifrável, dizendo que a roça está se encontrando com a cidade. Vejo senhoras da elite, todas bem modernas e urbanas se encontrando com as mulheres do povo, gente acostumada a suar para comer todo dia. Elas dizem que em Caetité não há luta de classes nem estratificação social pois as classes convivem em harmonia, artifício ideológico de um ardiloso “monstro sist” ávido por suor e sangue do pobre. Vejo os cumpade se encontrar e a prosa rolar, as nutiça da semana se atualizar, os negoço acontecer, os namoro se arrumar. Eles dizem que feira é um lugar não só de comércio, mas também de sociabilidade, de encontro, de fortalecer os laços de solidariedade.

Da varanda de casa vejo a feira e seu trabalho todo dividido. Os donos de caminhão fornecendo mercadoria, os homens que descarregam, os feirantes empenhados em comprar e vender seus produtos, o homem da roça que traz sua produção... Eles dizem que o povo da cidade não se ocupa de produzir alimentos e precisa ser alimentado, falam que a racionalização do trabalho os fizeram cumprir sua parte dentro de uma rede que envolve muitos braços.

Da varanda de casa vejo lindas mulheres num requebro de quadril inebriante, generosos decotes bem mais insinuantes quando vistos de cima. Admiradas, desejadas, todos viram o pescoço, qual coruja num poste de cerca, um psiu ou coisa parecida ressoa pela rua. Vejo mulheres feias a passar, estrupícios desconjuntados de um vermelho berrante nos beiços e corpos assombrosos, uns e outros se riem entre si. Uns: “mulher feia e jumento quem procura é o dono”; outros: “mulher feia e jumento comigo é na pedra”. Um “ói o cão muié feia” ressoa pela rua. Elas dizem que nossa sociedade constrói padrões e usa a aparência para avaliar pessoas. Falam que no mundo moderno, civilizado a brutalidade é sutil, a barbárie é camuflada por atitudes legítimas.
Da varanda de casa eu vejo... Eles são muitos, falam alto e todos ao mesmo tempo. Vozes silenciosas que falam por gestos, posturas, sorrisos, hábitos e comportamentos cristalizados pela repetição indefinida de um cotidiano irrefletido.

Anísio Filho, historiador – Agrovila 08, Serra do Ramalho-BA

A escola que ainda não vi nas ruas

Em algumas pequenas cidades, tirando o comentário do carnaval, o que mais se houve falar em abundância, em especial, nos Carros de Som (Mídia volante) é sobre educação, isto é, em escola. As lojas, que vendem material destinado a esse fim, já começaram a disparar as metralhadoras de longo alcance – a disputar clientes. Assim, propalam promessas mirabolantes, desde esticar o prazo, grande desconto, a dá prêmio a partir de determinado valor, além de outras promoções.

Para não esquecer a lógica do capitalismo, cada um – quando não acontece de passar a rasteira de maneira velada – procura um chamariz, amoleto, para apresentar. Subentende-se a isso, anúncio: de qualidade no material escolar, brinde, artigo da “última” moda, prazo... perpassando até pelo bom atendimento.

Por sua vez, as escolas particulares não ficam atrás. Aliás, em matéria de venda, têm um discurso persuasivo melhor, vez que asseguram uma arenga muito além dos referidos comércios. Algumas oferecem piscina, quadra poliesportiva, espaço de recreação, laboratório de informática, enfim. Outras também prometem conduzir o aluno/a (sem luz!) ao portão da universidade. Nem que seja, mais adiante, para aumentar a legião de mão-de-obra especializada; senão, para servirem “apenas” ao exército de reserva ou engrossar o capitalismo. Na verdade, essas prometem, sem igual, um mundo de fantasia para o alunado.

No entanto, nenhuma, até então, preocupou-se em apresentar uma biblioteca, com um arsenal de bons livros. Igualmente são os empórios que não lembram de ofertá-los em seus brindes.

Enquanto as “Empresas Escolares” vêm disputando clientes, formando seu esquadrão de ‘um homem só’, as escolas públicas parecem ainda encontrar-se sob a letargia das férias. Não há nenhum meio de comunicação, como carro de som – “ofertado” pelo gestor municipal, do mesmo modo que faz para anunciar o carnaval – conclamando a todos (as) sobre a importância da escola pública. Desse modo, cada vez mais, o ensino público vai se atrofiando, enquanto o modelo de ensino particular se ecoa, insistentemente, nos ouvidos dos (as) munícipes.

Justino Cosme, estudante

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Maria, substantivo mais que próprio

Maria Antônia Guimarães Silva, 62 anos, negra, mãe de cinco filhos, dois homens e três mulheres, aposentada, atualmente mora na cidade de Santa Maria da Vitória, porém antes morava na zona rural deste município, no povoado de Santo Antônio. Casada, mas, depois de vinte e dois anos sendo maltratada pelo esposo, criou coragem e divorciou dele.

Por conta de tantos obstáculos, só pode estudar até a quarta série. Mesmo assim, não foi consecutivo, pois estudava um ano, paravam outros, e assim ia “atrofiando” o que aprendia a cada vez que tinha que acompanhar, juntamente com a filharada, o marido que trabalhava nas fazendas do entorno onde morava.

Ela teve muitas dificuldades na aprendizagem, em virtude de não dar conta de acompanhar o ritmo dos colegas, e nem sempre, ou nunca, os professores observavam tal situação, já que não apresentavam interesses em ensinar aos que tinham Déficit de Aprendizagem. Apesar disto, Maria não deixava se abater, e sempre procurava correr atrás, quando não entendia determinado conteúdo.

As disciplinas de matemática e português sempre foram vista como um “bicho papão” na vida da coitada, contudo, ela procurava fazer a diferença refletindo às teorias em casa (isto dificilmente é possível na escola), quando o marido não estava presente, pois esse não consentia o estudo dela. Assim como tantas outras Marias, ela desenvolveu o seu próprio “método” de ensino, melhor, de aprendizagem. Foi através dos alimentos que consumia em casa, que ela foi percebendo a presença das aludidas matérias. Identificou nos alimentos que tinham embalagem timbrada, que algumas letras eram diferentes, e concluiu que isso fazia com que eles tivessem nomes um tanto desiguais. Observou isso também com os nomes dos seus filhos, mesmo que todos começassem como a letra J – J que escreve também José! Ingrato ex-esposo.

Percebeu que cada vez que pegava um ovo no poleiro, a quantidade aumentava, assim, estaria fazendo uma conta aditiva (soma); e quando fritava-os no almoço, para a família ocorria o contrário – diminuía. Nesse sentido, pode notar que todas às disciplinas escolares, se bem vista pelo professor e pelos colegas, estavam perto de todos.

Devido à aprendizagem que teve em matemática, Maria passou a sentir menos falta de seu ex-esposo que tanto a maltratava, pois entendeu que a presença dele no lar, ajudava a diminuir sua alegria, tornando o ambiente opaco; enquanto a dos filhos aumentava a vontade de viver. Mesmo que às vezes diminuíram, já que alguns tiveram que ir embora para Goiânia em busca de melhores oportunidades de trabalho. Não puderam “desfrutar” nem mesmo do ínfimo estudo que à mãe teve.

Ela igualmente aprendeu em português, que o verbo amar pode ser conjugado em tempo presente, no entanto, pode se conjugar também no passado. Embora o amor possa ser também um substantivo concreto, também pode ser um substantivo abstrato. Assim como o nome José pode ser um substantivo próprio, ele pode ser um substantivo simples... vai depender do ponto de vista de quem olha.

Diante das adversidades, e contrariando a curiosidade, Maria teve que parar seus estudos, embora tenha notado que teve um melhor aproveitamento, quando percebeu a presença dele em sua vida... fora da escola.

Justino Cosme, estudante,

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Sai da fila moço, quero passar!

Nunca gostei de pegar nenhum tipo de fila, se não for exagero, ninguém gosta. Às das instituições públicas (considero uma grande falta de respeito), principalmente, as que demoram uma eternidade, ao andar em passos de lesmas, quando estão ainda com preguiça. Quando aparecem os fura-filas, ou engraçadinhos (as) – para não dizer outra coisa – aí é que ela se espicha. Sem contar, às vezes, que os lentos atendentes contribuem para isso.

Não querendo ser nenhum herege, parece que existe fila até mesmo para falar com Deus, sendo que são muitos os(as) miseráveis que lhe pedem assistência, e não são atendidos(as) facilmente, decerto as filas são enormes também lá no céu. Se não for exagero, todas as pessoas da classe popular já pegaram fila; na verdade, as crianças dessas famílias já nascem e crescem pegando: fila no hospital público, no fórum, na escola, e segue até mesmo na hora da morte.

Contrariamente, as ricas dificilmente pegam. Nas repartições públicas, então, nem se fala! Tendo em vista existirem exceções inescrupulosas para isso, infelizmente, sendo que há um número considerado de congêneres. Existe até uma frase famosa e perdida por aí, que diz: “no Brasil, as leis são para os inimigos; para os amigos aplica-se o jeitinho brasileiro”.

Por sua vez, nas poucas filas das instituições particulares, existem as “regalias” que são monitoradas a partir da conta bancária que cada indivíduo possui. Isso fica perceptível no atendimento prioritário que têm esses nos próprios bancos, dentre outros.

O engraçado é que na fila, algumas pessoas se posicionam sobre vários fatos do cotidiano, pouco ou quase nada sobre ela mesma. Parecerem ficar hipnotizadas. Numa situação, principalmente de pressa me pergunto quem a tenha inventado, somente. Embora tenho a impressão de que ela seja mesmo o ponteiro que marca a sociedade burocrática, e o atrito que impede a rebeldia. Apesar disso tudo, algumas coisas divertidas são comentadas na fila. Certo dia mesmo, ao tentar aproximar de uma vetusta senhora, na conversa – já que fisicamente estávamos muitos próximos – para informar que havia fila especial destinada a ela. Fui perguntando de onde era, no que me disse: - Sou da comunidade do Tatu.

Quando ia abrir a boca para fazer uma outra pergunta, interrogou-me: - E você é de onde? Antes que lhe respondesse, fitou nos meus olhos, meio desconfiada e de supetão, fez uma outra pergunta: - Você é homem ou é mulher?

Mesmo sem saber como respondia, comedido, com voz trêmula e baixa, disse: - Sou homem, não pareço?!! E sem medir palavra, a senhora falou: - Não, nunca vi homem na minha frente de cabelo grande e ainda com faixa na cabeça. Isso é coisa de mulher. Ora!

Foi somente dessa forma que a fila saiu do lugar...

Afinal, o que é cultura?

Ainda parece que não é demais falar sobre cultura, uma vez que há um entendimento distorcido ou equivocado do seu conceito macro, pois existem muitas pessoas que pensam que ela restringe-se a um número pequeno de indivíduos, ou seja, geralmente, quando se faz alusão às pessoas que tiveram acesso ao conhecimento científico, a exemplo das que são egressas de universidade, ou referindo às que desenvolvem alguma expressão artística ou tem afinidade. Quando muitas das vezes, apregoadas às que lêem muito ou “domina” mais de uma língua.

Como se isso já não bastasse, existe uma quantidade de pessoas, “os eruditos” – mesmo sabendo ou conhecendo o significado – não demonstram nenhum interesse em desmitificar tal equívoco, aproveitam da falta de compreensão de muitos (as) para continuarem perpetuando a imagem de que são os únicos possuidores de cultura.

Dificilmente, as pessoas associam a cultura como uma atividade intrínseca aos seres humanos, quê são únicos possuidores da razão, e a todo instante transformam o meio de acordo às suas necessidades, ou conseguem adaptar-se sem muitos problemas. Diferentemente dos animais irracionais, que não sobrevivem fora do seu habitat, nem conseguem modificá-lo.

De modo singelo, cultura é conjunto de características humanas, o modo de falar, formas de organização; os costumes, tradições, técnicas, comidas, dentre outros. O que convém dizer que todos nós temos cultura, aliás, culturas – no plural – já que temos várias. Até mesmo quem não consegue fazer a leitura desse pequeno texto a possui.

Quando alguém diz que uma cultura é mais importante que a outra, percebe-se que ela está usando de uma comparação, de um modelo no qual um tende a sobressair. Contudo, sem saber – muitas das vezes – está praticando o etnocentrismo (etno, ‘cultura’; centrismo, ‘ter como centro’), que é uma visão preconceituosa, já que considera uma cultura superior a outra, isto é, não consegue perceber a diferença e a relevância que cada uma tem.

A exemplo de uma prática etnocêntrica, não poderia deixar de mencionar aqui a visão equivocada presente na sociedade acerca da palavra “civilizado”, sendo que, quando usada pela maioria, refere somente às pessoas que têm familiaridades com as novas tecnologias, ao conhecimento elaborado; que escrevem conforme a Norma Culta, etc. No entanto, muitos(as) não sabem que este mal entendimento foi provocado pelos portugueses, quando chegaram às terras brasileiras, pois acreditavam que havia uma escala evolutiva pela qual todos os povos deveriam passar linearmente para chegar o máximo do desenvolvimento humano. Nesse caso, os habitantes daqui, os índios, por ter uma cultura diferente, foram visto como pessoas atrasadas, bárbaras, e que ainda iam evoluir a partir do seu modelo: o europeu. Denominando assim a cultura européia superior às demais ou a mais importante.

Além desse exemplo, poderia citar vários outros, como a própria visão atropelada que se tem dos trabalhadores (as) rurais, dos (as) negros, das mulheres, dos homossexuais, dentre tantos.

Ressalta falar ainda que, além de todas as pessoas serem providos de culturas, ela é dinâmica, ou seja, está em constante mudança e, com o advento das revoluções tecnológicas, as transformações passam a ser mais efêmeras. Fazendo com que agregamos novos valores aos já existentes, mudando, muitas das vezes, de maneira espontânea a nossa cultura.

Justino Cosme, estudante

sábado, 18 de setembro de 2010

E se a história for mentirosa ou por que estudar história

E se, de repente, descobríssemos que toda a história que conhecemos não é verdadeira? Tudo que sabemos sobre o passado foi invenção de homens que estavam sem o que fazer e resolveram inventar histórias contando-as como verdade? Os gregos com seus deuses, os jardins da Babilônia, a escrita dos sumérios, os imperadores romanos é tudo invenção. Roma nunca foi sede de um grande império, Atenas nunca conheceu a democracia e Constantinopla jamais foi um entreposto entre o Ocidente e o Oriente. Esses homens inventaram tudo e foram floreando suas histórias dando asas à imaginação.

Nenhuma pessoa digna de confiança entre os hebreus dá notícia de um homem considerado o Cristo, Muhamad é tão comum entre os árabes que nenhum poderia ser digno de destaque, pensar que alguém pode ser o Iluminado é estado mental parecido com o provocado pelas plantas alucinógenas. Nenhum homem andou pelas ágoras de Atenas filosofando entre jovens, aliás, não havia ágora em Atenas, nem mesmo Atenas; nenhum homem devasso converteu-se ao cristianismo e tornou-se um de seus principais pensadores, aliás, nunca houve cristianismo; nenhum homem desenvolveu a ciência entre os árabes quando os europeus ainda escarravam e cuspiam à mesa.

Nunca houve reis. Nenhum homem em momento algum teve poder sobre outro. Jamais um homem disse “o Estado sou eu”, mesmo porque o Estado só existe onde uma pessoa controla outra. Os homens nunca disputaram o poder, nem fizeram guerra, jamais mataram uns aos outros, nunca competiram de maneira desleal e não há quem prove que um sujeito tenha dito que “os fins justificam os meios”. O máximo que houve até hoje foram puxões de orelha mas, como se faz com as crianças com finalidade educativa, jamais por qualquer outro motivo.

As sociedades nunca foram machistas, homens e mulheres sempre viveram harmoniosamente, nunca houve paternalismo, as mulheres sempre puderam utilizar os mesmos espaços, sempre tiveram os mesmos direitos, o que já aconteceu foi uma ou outra rusga de casal mas logo passou e as coisas voltaram ao normal. Não há notícia confiável que mostre que já existiu racismo, a escravidão é uma das piores invenções desses homens. As pessoas sempre trabalharam mas em todas as sociedades todos tiveram os mesmos direitos e oportunidades. Nenhum homem navegou pelo mar numa caravela para depois de um bom tempo gritar “terra à vista”, nenhum índio foi encontrado nem dizimado, aliás, índio não existe. As pessoas sempre foram tolerantes, conviveram bem com as questões do sexo, os homossexuais nunca foram discriminados. Pelo exposto neste parágrafo fica evidenciado que mulheres, negros, índios e homossexuais nunca lutaram para conquistar seus direitos e espaços, sempre os tiveram respeitados.

Nunca houve explosão de bomba atômica, arquiduque austríaco algum morreu na Bósnia, o holocausto é uma farsa. As guerras do Vietnã e da Coréia nunca existiram, da mesma forma as de cavalaria e as religiosas. Pensar numa Guerra de Cem Anos é absurdo, as disputas do Peloponeso parecem mitologia. A colonização da África e a dizimação dos povos americanos são das invenções mais absurdas. Guerra é uma coisa que a humanidade não conhece, nem Fria, nem de qualquer outra temperatura.

E se descobríssemos que toda a história é mentira? Neste dia, descobriríamos que sorrimos e choramos à toa, que sofremos e nos alegramos, torcemos e ignoramos em vão, que odiamos, amamos, sentimos, lutamos para não ter nenhuma recompensa, enfim, que vivemos por nada. Neste dia começaríamos a reconstruir o mundo, buscaríamos outras bases, construiríamos outras estruturas para outras ordens sociais, culturais, políticas e econômicas, encontraríamos outros sentidos para a vida, teceríamos novos significados para as coisas, inventaríamos, enfim, outra história para a humanidade.

Anísio Filho, historiador - Agrovila 08 - Serra do Ramalho-BA

A foto do finado Zé Pau D'água

Na empresa que eu trabalho, poucos dias atrás, estava em reforma do prédio. Então, havia um pedreiro e um servente que faziam a obra. Este era uma pessoa calada, porém aquele era uma pessoa que gostava de fazer “resenhas”, pois falava e brincava com todos os empregados; além de fazer sempre questionamentos diante dos fatos ocorridos no mundo, também com toda sua vizinhança, e de nós trabalhadores da agência.

Considero Moises, o pedreiro, um sujeito muito inteligente, ainda que tenha estudado tão pouco ou quase nada, porque suas reflexões são arregimentadas com fortes argumentos. Claro que algumas vezes desliza nas suas pilhérias e em seus posicionamentos, todavia, nunca dá o braço a torcer, pois sempre demonstra ser o dono da razão. E tem opinião formada para discutir qualquer assunto. Se brincar, sabe quantas estrelas há no céu!

Na segunda-feira, aparentemente, o artífice produzia menos, devido ter uma bagagem de novidade de informação para contar para nós, porque no sábado e domingo armazenava muitas notícias da Vila onde morava. Como se tudo isto não bastasse, chegava sempre com ressaca, já que apreciava uma pinga brejeira sem moderação, aliás, isso era comum no decorrer da semana.

Apesar de está sempre por cima nas brincadeiras que fazia, o operário viu-se numa situação nada delicada, porque um dos colegas de trabalho, sem que Moises percebesse, ficou uma semana assustando-o, com uma “Lembrança de Finado” de outro ex-colega nosso, que havia falecido por conta de cirrose.

Arthur pegou a foto e botou na bolsa, juntamente, com os materiais de trabalho de Moises. Quando este ia pegar um instrumento de trabalho, levou um susto ao deparar com a lembrança, e sem entender o que havia acontecido.

No dia seguinte, e por um descuido do pedreiro, Arthur pegou a foto e colocou ao lado da pia do banheiro. No momento que Moises virou para fazer um reparo no lavatório, levou um susto, já que havia deixado a fotografia em outro local. Sem entender, e assustado com tudo aquilo, o operário quis saber quem tinha colocado a imagem ali. Como ninguém disse nada, e, implicitamente, morrendo de sorrir, o pedreiro nada desconfiou. Assombrado, ficou ali olhando para lembrança e tentando desvendar aquela passagem cinzenta.

Em outro dia, Arthur pegou a foto e colocou sobre a colher do pedreiro. Quando este ia usá-la e, sem perceber que a gente via-o com medo, espantou com o suposto andarilho da imagem. De novo, perguntou quem havia colocado a foto sobre sua ferramenta, mas todos fizeram de arrogado. O colega que estava por trás de toda gaiatice, disse para o pedreiro que todo acontecimento da “aparição” da lembrança do finado, poderia ser um aviso para que ele parasse de ingerir bebida alcoólica. No entanto, ele quis gozar de toda conjuntura, todavia conformou e ficou calado.

Quando o colega ia dando outro susto no operário, colocando a foto na luva dele, Moises chegou na hora. Então, disse: - esse é o aviso que o Sr. Zé Osmar quer deixar pra mim?

Depois de toda brincadeira, mesmo mexendo com o emocional de Moises por alguns dias, tudo isto só veio a caracterizar que ele parece ser o porta voz da razão...
Justino Cosme – Estudante

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A besta fera sorriu para mim

Pela TV, deparei com um bicho de sete cabeças e de vários braços. Devido à sua queda, ele estava com diversos sintomas de doenças, de feiúra sem igual, indicado por economistas que dizem entender muito bem do assunto. Desde febre alta, agitação, dilaceramento dos órgãos e até suspeita de parada cardíaca, demonstrava ter. Ainda assim, conseguia respirar pelos balões de oxigênio dos caudatários, que não deixa-o, sobretudo, nos momentos mais agudos.

Na maioria das vezes, ele se apresenta igualmente uma pessoa virtuosa, e tem uma beleza abundante comparada a Psiquê, assim, se veste todo de azul. Mas em sua euforia, se traja de vermelho. Esse é o sinal da sua monstruosidade maior, e é aí que incide o perigo. Muitos dos membros se degeneram e, dependendo de cada caso, outros se fortalecem.

Para que ele saia da precariedade e do mal-estar, aumentam-se os preços da alimentação, saúde, educação, moradia, dentre outros. Corta-se verba pública para isso, para aquilo, enfim, contenção de gasto da política do Bem-Estar Social – para não dizer neoliberal!

Qualquer sinal de manifestação popular, a besta fera fica furiosa, assim, os trabalhadores (as) são “degolados (as)”. Na verdade, é devido a esse fator que a economia oscila como mariolas. Nas alturas, sobe os mercenários, quando a pressão está em baixo, salve se quem puder!

Infelizmente, poucas são as pessoas que conseguem enxergá-lo pela TV, menos ainda são as que sabem de que bicho se trata; uma vez que ele tem sete cabeças, mas se veste de um arcabouço de palavras “sofisticadas” – um empório de nomes difíceis, quando não muitas das vezes por “transação” de siglas, a exemplo de Debênture, Broker, BM&F, Nasdaq, BOVESPA, etc. – uma assombrosa feira franqueada a comercialização de ações e títulos.

No entanto, nos telejornais, especificamente, fala a respeito desses e de dezenas de outros nomes complicados como se fossem comum aos expectadores(as), com o intuito de escamotear o bicho de sete cabeças. Na intimidade, alguns chamam de bolsa de valores – coisa de quem entende do assunto. Portanto, não considero que tenha muito valor assim, já que ele não respeita a vida, sobretudo, de quem não tem moeda forte para alimentá-lo. O que vejo, é mesmo um bicho esquisito, e que não come somente criancinhas.

Justino Cosme, estudante,

domingo, 22 de agosto de 2010

Um bêbado incomoda muita gente. Três seguranças muito mais!


Bêbado é um caso sério... em rodoviária, em final de ano, então. Foi assim... Agoniado e cambaleando entre uma cadeira e outra, um bêbado mexia com as pessoas ali presentes, procurando chamar a atenção, de modo que fosse percebido.

Com uma pequena bolsa vermelha e uma garrafa de vinho, com uma camisa meio aberta e suja de creme dental, assim como os dedos das mãos. De calça justa e verde – que mais parecia outra cor não identificável – de sapatos morron nós pés, ele tirou muitas pessoas do sério, porque exalava um hálito etílico dos bravos, e com umas conversas intragáveis – quando conversava, pois soluçava mais que tudo! Ademais, ao bradar algumas palavras com muita dificuldade, espumava a boca, por conta do “maldito” creme dental que não soube usar. Na melhor das hipóteses: ele tenha se esquecido de ter completado a higiene pessoal.

Além disso, ao conversar, tinha mania de tocar nas pessoas como quem quisesse convencer do que falava, já que em palavras eram quase impossível. Aonde o bêbado ia, como não agüentava suspender à sua bolsa por inteira, arrastava-a nas pessoas que se encontrava sentada nas cadeiras de espera.

Diante do frenesi causado, foi convidado, por dois seguranças que faziam ronda ali, a retirar do local. O primeiro procurou ter mais diálogo, mais calma; diferente do segundo, que logo tentou conduzir o indivíduo pelo braço e para um canto – lugar mais espaçoso na rodoviária. Quanto mais eles falavam, procurando acalmar os ânimos do bebum, este chamava atenção das pessoas, jogando a garafa (plástica) de bebida no chão e sua bolsa de um lado ao outro, aclamando publicamente: “– Eu nãaosaiodaqui, não sôladraão, não devo nada-ni’ninguém. Conhe’çço todomundo de Fêra, de Perna’mbuco, de Serrinha... sôaamigo de’Lió,...”

Nesse tenebroso cenário, os seguranças se viam mais enrolado que fumo de corda, pelo desconforto causado ao público. Esquivando da circunstância, e prevendo o desfecho do episódio, um deles assegurou-se e altissonante, disse: “ – Depois as pessoas digam que só agimos assim porque o individuo está bêbado, é um idoso... ninguém procura compreender nossa situação”. Dito isso, solicitaram a intervenção de uma polícia, que mesmo ali presente fazia vista grossa ao caso. Ainda assim, o bêbado não se deu por convencido – como acontece com todos – já que achava porta voz da razão!

A princípio, o meganha usou a tática de um dos seguranças, toda paciência de Jô para abordar o bebum, procurando removê-lo da plataforma com maior cautela – nem parecia um policial. Contudo, o bêbado não estava nem aí para o que o praça dizia. Entre um soluço e outro, de tão embriagado, procurava convencer a polícia que estava certo do que fazia, pois dizia não incomodar ninguém ali. Chegando ao ponto de conversar “escorando” os braços no obro do praça, como se fosse um velho conhecido de outrora.

Pela digladiação das palavras dos indivíduos, o bêbado acabou enrolando com a sua própria língua (literalmente!), pois quanto mais propugnava, por excesso de bebida, encontrava menos chão para ficar sua razão etílica; assim, deixava a polícia mais arreliada.

Não havendo mais possibilidade de diálogo entre ambos, e no desequilíbrio do bebum, o meganha acabou “convencendo-o” pela força física, vez que conseguiu tirá-lo, pelo braço, do circuito das pessoas que ali estavam. Ao bêbado não lhe restou outra saída, a não ser ficar sentando e resmungando, mas quieto, esperando sua condução passar.

Justino Cosme, estudante

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Essa é para todos!

Num dia desses, andando na feira livre da cidade, inesperadamente, encontrei com Todos. Entre uma conversa e outra, ele me falava das últimas novidades, das angústias e acusações que vinha sofrendo. Pois, ele disse que se propala por aí, que é o mais beneficiado em quase todas as secretarias do governo da Bahia; outras vezes pelo federal, quando não pelo municipal.

- Contudo, isso não procede!Disse-me ressentido. Ressaltando ainda que, as pessoas mais favorecidas, e que poucos percebem, são os donos dos meios de comunicação; seja: impresso, televisivo, radiofônico, etc. – sem distinção de cor e credo. Sendo que há um grande investimento, para que eles apregoem e massifiquem as propostas do governo, nem que as mesmas não saiam do papel, como vem acontecendo.

Sem entender o que Todos falava, interroguei-o. Quando me disse que estava sendo acusado de crime de nepotismo.

- O quê? Perguntei. E de novo, ele me respondeu: - Nepotismo, cara! Uma vez que existem diversos comentários soltos, apontando ser o único favorecido nas diversas secretarias do governo. Dizem que este está ofertando: Terra para Todos, Água para Todos, Educação para Todos, Saúde para Todos, Cesta básica para Todos, Universidade para Todos, enfim... até mesmo esse mediucre texto, dizem que é para Todos! Sinceramente, não estou gostando disso e, se fosse verdade, não importaria com o tal crime.

Assim, cada vez mais, me encontro “indefinido” com as conversas do governo, que banaliza suas propostas através dos meios de comunicação, dizendo que tudo é para Todos. Contribuindo, de certa forma, para aumentar a discriminação com Todas suas ações.

Justino Cosme, estudante

Para que serve a televisão?

É cada vez mais preocupante como os meios de comunicação, especificamente a TV vem perdendo sua função: ao invés de ser um veiculo de informação, muitas das vezes, não passa de um condutor de deformação do povo, já que sua função é de difundir e, prioritariamente, legitimar as idéias da classe dominante. Se não for exagero, a opinião da maioria das pessoas é formada exclusivamente a partir da televisão, talvez seja por isso que, o educador, Moacir Gadoti (2001) afirma que o controle dela pela burguesia é mais ostensivo do que a escola. Não é por menos que pesquisas têm demonstrado que a televisão está presente em 96% das residências brasileira. E, talvez seja por isso, ela é um dos meios de comunicação que procura garantir, senão valida, a homogeneidade de pensamento de quem dela assiste.

Mesmo distanciando da TV, qualquer um pode acompanhar as informações a partir das pessoas que a assistem, vez que as notícias aparecem como se fossem verídicas, devido à inexistência de crítica por parte destas. Destarte, os comentários apregoados, advindos dos programas, jornal, etc., são falados numa mesma cor – um verdadeiro ready-mode! Isso fica, ainda, mais visível quando acontece algo de maior repercussão, a exemplo dá morte de uma artista famosa; um acidente envolvendo um grande número de pessoas, enfim; quando ocorre qualquer bestialidade!

Se reparássemos bem, as informações divulgadas nos diversos canais televisivos, sobretudo nos noticiários, são quase às mesmas. Portanto, não difere muito em quase nada uma da outra, exceto alguns comentários extravagantes ou a ordem delas no telejornal. O que demonstra haver um forte cartel também nesse espaço.

Nascida no útero da Ditadura Militar, a rede globo parece ser o único canal que tem o poder de assegurar notícia de cunho público de primeira mão, embora não se entenda o porquê dessa prioridade. Infelizmente isso acontece. A ‘atenção’ recebida nos diversos espaços, a exemplo de informações obtidas pelo Congresso Nacional, outras cedidas pela Policia Federal explícita muito bem isso.

Como se tudo isso não bastasse, há uma grande exacerbação na venda de produtos pela TV, quão fossem poucas as grandes propagandas veiculadas veementemente nos longos intervalos. Quando, muitas vezes, embutidas nas novelas, filmes, programas “interativos” e até mesmo nos telejornais. Por vergonha nacional, há até canais exclusivamente com finalidade de vender; sem contar também nos que são usados para disseminar algumas religiões. Salientando que futebol tem cadeira cativa em vários horários difundidos como “nobres”.

Diante disso, quase não existe nenhuma preocupação em fazer com os(as) telespectadores(as) tenham uma visão crítica sobre os programas que são transmitidos. Sendo que, na televisão, não há brecha para que isso ocorra, já que existe grande massificação das notícias, pois toda programação está imbuída para essa natureza. Nessas circunstancias, não resta dúvida que a função da televisão brasileira é cooptar as pessoas para torná-las alienadas, de modo que possa vender “as mercadorias enlatadas” ao seu bel prazer.

Não é à toa que há uma exploração muito grande dos meios audiovisuais, sendo que esses têm uma facilidade de pentração no cerebro, além de manter as pessoas concetradas e dósseis por mais tempo.

A esperança de uma TV, com a função que deve ter, talvez precisa ser ainda gerida nos guetos, assim, como acontece com as alternativas rádios comunitárias. Oxalá!

Justino Cosme, estudante

domingo, 25 de julho de 2010

Pode passar João Poeirão

Mesmo com uma poeira danada, avistei João Poeirão sentado, pitando um cigarro de palha, numa das esquinas da Rua Teixeira de Freitas, como se estivesse feliz e tranqüilo com a vida que leva.

É um homem simples, meio adoentado, taciturno; enrijecido pelas agruras da vida, porém, boa gente. Se não fossem os maus-tratos que lhe fazem, certamente, seria uma pessoa mais amável, extrovertida e, possivelmente, conseguiria unir forças à sua causa política. Embora seja importante, timidamente, ele luta para que os governantes vejam também a situação onde mora, porque clama por condições de calçamento para a rua, que irá beneficiar todos os moradores - caso saia.

O desgosto maior de Poeirão, que impulsiona a sua árdua peleja, é que o único pedaço do logradouro sem ser calçado é a frente das casas que seguem à dele, numa distância de uns 300 metros. Haja vista que o pavimento começa no início da Rua Teixeira de Freitas, perto do rio, e vai aproximadamente 1 km de extensão, mas “morre” antes do término.

Além disso, a insatisfação dele, igualmente, existe porque a comunidade da qual está inserido, a toda eleição municipal, serve de trampolim para políticos, pois o “pedaço da rua” já faz parte de promessa eleitoreira para um número de candidatos demagogos. Pois, uma quantidade expressiva promete que irá concluir o calçamento, de maneira que a avenida seja trafegável com mais facilidade, e que os moradores de lá não mais irão recorrer ao hospital para curar das doenças: alergias respiratórias, rinite, asma, bronquite asmática, etc., ocasionadas pela excessiva poeira.

Numa situação de indagação, ele lembra que, próximo da sua casa, existem duas instituições governamentais, CERB e o CRAS, que poderiam facilitar a construção e a continuidade da pavimentação, já que acredita que “uma coisa puxa a outra”... Mas, pelo que tenho visto, João, parece que “duas coisas afastam uma outra”.

Quem conseguiu avistar João Poeirão na esquina, percebe que a insistência dele não é de agora, pois “se perdeu na poeira da vida”, como diz Chico Buarque. E, devido à degradante situação da saúde, infelizmente Poeirão se contorce sozinho em meio à solidão “das vizinhanças”, uma vez que todo município, desde muito tempo, necessita também de pavimentação em diversas vias públicas e, mais ainda, nas estradas vicinais. Contudo, o povo anda parcialmente cego (possivelmente, devido a poeira) e encontra-se incrustado diante do grave problema.

Justino Cosme, estudante,